segunda-feira, 18 de julho de 2011

"URUBÚ COME CARNIÇA E VÔA!" por: PAULO FARAH ANDRÉ!

Compartilhando aqui as impressões e escritos do poeta-ator-diretor-artista PAULO FARAH ANDRÉ, 
sobre o nosso querido "ÜRUBÚ COME CARNIÇA E VÔA!"

Grupo Clariô de Teatro!
Clariei sim!

Perto de vocês me sinto como se tivesse recebido um abraço apertado, não um daqueles que quebra as costelas, mas daqueles que acolhe o coração.

Sobre o espetáculo, já passaram 3 semanas, ou mais, que o tempo nos engana, e a memória tem testa curta, mas a veia sabe os caminhos que leva ao coração. Parece que agora que eu parei para escrever, não lembro muita coisa, mas se eu for escolher um ponto para falar, resumo na palavra “dignidade”. Dignidade na escolha do texto, dignidade do Miró, do Mário, da Naruna, da Naloana , do Alexandre, da Martinha, do Diego, do Will, do Washington. Dignidade de atuações, de concepções. Sabe quando a gente vê ator honesto em cena, com integridade. Sabem sim, com detalhes de gesto, detalhes de voz, com a costura do roteiro (e imagino quantas escolhas, quantos “nãos” vocês disseram para poder ficar com a forma final). Vocês ousam construir a dramaturgia a partir de textos literários, fizeram isso com o Marcelino, agora com Miró, é mais trabalhoso, mas traz ao teatro o vigor da obra nova que se revela na interface das artes. Gosto quando alguém gosta das palavras, saboreia o texto. É bom de ouvir. Assim como é bom ver a reconstrução do espaço, “eterno Deus mudança”. Vocês não tem preguiça não? Deus abençoe a juventude de seus corações e a sabedoria de vossas entidades!
Teatro serve para religar o homem ao palco, o homem à terra, serve para redimir a sociedade das formas amorfas que são vendidas por aí. E se teatro é social, traz o grito (de dor ou alegria) de um povo, o teatro comunica com o divino, por ser rito, por estar carregados de mistérios, por nos surpreender e por aproximar o ser de suas raízes, seus antepassados, e daí soltar uma flexa ao futuro. Vocês fazem isso com aura e alma.
Das partes técnicas do espetáculo, no dia comentei aos pedaços com quase todos vocês o que achei pertinente. Como gostei das escolhas, nada muito a acrescentar, nenhuma discussão ou palpite a levantar. Vocês são profissionais, sabem trabalhar. Importante é não parar aí, no tecnicisno. Que bom que este não é a meta final de vocês, mas parte do caminho.
Escrevi um poema que envio anexo, sobre a metafísica do urubu.
Deixo meu abraço caloroso.
(Paulo Farah André)



Metafísica do Urubu
Come carniça e voa!
Ao Grupo Clariô e ao
Miró da Muribeca
I

Vejo o urubu
não é magro
nem é gordo
mas pesado que é

anda no chão
tal galo enfadado
sempre de preto
é sua armação.

Disseca o cadáver
bicada a bicada
e disputa o pedaço
da carne putrefata

com ela se basta
com ela se farta
se perfuma
e se acaba.

II

E se o urubu é pesado
como é que levita?
Como que plana?
Como deslisa!

Em sua espiral
sem pressa, sublima
parece neblina
desaparece, nem vi...

Morre um boi no pasto
uma lebre na sombra
um cão na distância
um homem insepulto

e lá está o urubu
sempre presente
pontual, preciso
sem emoção e urgente.

Não há enterro
não há flores
só o festejo
das aves de preto.

Restam os ossos
em seu branco elemento
sua prata e testemunho
esfarelando na terra.

III

Prezado Urubu
que tem a morte por meio
respeito tua sorte
e meu sortilégio

vencer cada dia
no sol que levanta
e saber-te por perto
esperando meu fim.

Que não há saída
não há estratégia
que vença a espera
que você tem por mim.

Que não há destino
não há encanto
que engane sua fome.
Eu sou teu jardim.

IV

Escrevo poemas
e faço teatro
essa é minha arte
e meu compasso

revelar quem somos
na mentira de um ato
efêmero engano
só sobram os rastros...

Mas insisto
escrevo, ensino
divido o que eu acho
me retalho em pedaços.

Se em meus dias contados
quero ser imortal
para poder dar passagem
à herança que tive:

o coração nas coisas
o amor das gentes
as palavras antigas
tão novas nos lábios.

Da peneira do tempo
do trabalho dos homens
dos sonhos de alguns
de alguém que amei

sobrou a poesia
que sinto no peito
e que eu canto
em meu silêncio

e o frio que passa na alma
é o não entendimento
das coisas incertas
que acontecem fatalmente.

- Não é fácil ser poeta, Urubu!
em meio à miséria dos homens
ao desprezo dos curtos e brutos
sem tempo para ser gente.

- Mas mais difícil é ser Urubu! Poeta.
Comer a carniça que sobra dos homens
comer os restos de vossa humanidade
antes que os vermes nos comam.

(Pois aos urubus, só comerão os vermes
testemunhos de nossa finitude
e aos vermes comerão os fungos
e aos fungos, o pó).

VI

Você me aconselha
com a fome no bico
que eu não perca o tempo
de ser bem feliz

e você me lembra
do cinza dos tempos
que herdamos o dia
de ser Serafim...

VII

Tá de barriga cheia!
então                                                                           voa
                                   Voa
                     Voa
                 Voa                                        Urubu...

                                                                                                                    Voa
                                      Voa
                                                               Voa


Paulo Farah André
Pipa Poesia
(quando eu gosto de um poema meu e acho que ele pode levantar vôo, eu o chamo de Pipa Poesia)

Obrigado Paulo pela generosidade da escrita e a beleza da poesia!!
GRUPO CLARIÔ.

e lembrando... 
Próximo final de semana (23 e 24 de julho - sábado e domingo as 20h), 
nosso "URUBU"pousa no SACOLÃO DAS ARTES 
recebido pela BRAVA CIA. 
ENTRADA FRANCA!